1 DE DEZEMBRO DE 2006
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=10665
Algumas considerações
Como é sabido, a partir de meados dos anos 90, a multinacional Monsanto encontrou plenas condições para praticar intenso lobby em torno da soja RR (Roundup Ready), biotecnologicamente dotada de resistência ao herbicida Roundup, à base de glifosato.
Foi dessa forma que, através de um processo repleto de irregularidades, conseguiu que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), sua aliada, lhe concedesse primeiro um parecer favorável à liberação da RR no país (24 de setembro de 1998) e em seguida (17 de maio de 1999) o registro de cinco variedades.
Ocorria que a CTNBio, atuando sob a batuta do seu presidente de então, o Dr. Barreto de Castro, no ritmo açodado imposto pela multinacional, concordara em dispensar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA). Não levara em conta tratar-se de dados exigidos pelo inciso IV do artigo 225 da Constituição de 1988, justamente para avaliar a resposta do nosso agroecossistema, com suas peculiaridades, a uma intervenção como aquela que se projetava.
Ou seja, submissamente, a CTNBio aceitava como suficientes as pesquisas ambientais já feitas nos Estados Unidos e sob a influência da parte interessada. Porém, no dia 21 de junho de 1999, o Dr. Souza Prudente, juiz da 6ª Vara da Justiça Federal de Brasília, acolhia o parecer do Ministério Público, baseado em ação movida contra a empresa de biotecnologia e a União, dadas as “possíveis falhas apresentadas pela CTNBio em relação ao pedido de desregulamentação da soja RR”. E no dia 21 de agosto o Dr. Prudente ratificava essa liminar, transformando-a em decisão de 1ª instância.
Um novo enfrentamento com a CTNBio deu-se no ano de 2000, por ocasião da ilegal tentativa de importação de milho transgênico. A nova presidente do órgão, a também “confiável” Dra. Leila Oda, defendia a mesma posição do seu antecessor Dr. Barreto. Era sabido que daria parecer favorável à importação do milho-inseticida Bt, mesmo porque era respaldada pela Advocacia-Geral da União da época e pelo próprio governo em peso. Porém o Dr. Prudente se contrapôs a mais essa pretensão.
Inconformada com as decisões judiciais, a Monsanto intensificava a agressiva atividade clandestina de estímulo ao plantio de transgênicos a que se vinha lançando no Rio Grande do Sul, numa operação de aliciamento e corrupção. Visava criar uma situação de fato que lhe permitisse argumentar que, como o cultivo das sementes proibidas já estava se realizando de qualquer forma, era melhor liberá-lo! Para isso, se levaria em conta apenas a aprovação irregular pela CTNBio, ignorando a sentença da Justiça em contrário...
A diplomacia norte-americana se manifestava em apoio à empresa. Assim, em maio de 2000, o então embaixador Anthony Harrington, em entrevista à imprensa, aconselhava piedosamente o Brasil a aceitar os “avanços da ciência”.
Com as opções mundiais favorecendo o Brasil, intensificava-se a pressão sobre o nosso país, cujo produto natural fazia concorrência expressiva ao geneticamente modificado. Pretendia-se nivelar-nos aos demais produtores de alimentos rejeitados.
Na verdade, desde o momento em que a Monsanto começou a estimular criminosamente a utilização clandestina de suas sementes, a opinião esclarecida já alertava para o fato de que cabia ao poder público ao qual compete a visão de conjunto evitar o desastre. Tratava-se, como medida de defesa nacional, de não permitir, além dos riscos ao nosso agroecossistema, que a economia agrícola do país, especialmente as exportações, fosse lesada pela perda de credibilidade em mercados que dão preferência à soja natural.
Ocorreu, porém, que logo ao tomar posse no primeiro mandato, o governo Lula se viu acuado por intensa campanha pró-transgênicos, desencadeada pelos lobistas e seus aliados. Com sofismas, aludia-se à defesa da ciência e da biotecnologia, embora o alvo imediato dissesse respeito à liberação da safra clandestina do Rio Grande do Sul.
Quanto ao ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura, não tardou a ficar nítida sua posição com respeito à matéria. Assim, pelo cargo ocupado, contribuiu para que fosse editada a Medida Provisória 113 (aprovada na Câmara dos Deputados em 15 de maio de 2003), que permitiu a comercialização da soja transgênica até o início de abril de 2004.
A escalada prosseguia, não tardando a ser editada nova MP, de n. 131, autorizando o plantio de sementes transgênicas (restantes de aquisição anterior) para nova safra, e com abrangência para todo o país.
Preocupados com a contaminação que o trânsito dessas sementes por suas regiões provocaria, alguns estados com lavouras de maior produtividade, com destaque para o Paraná, passaram a colocar em prática medidas de precaução. Ao mesmo tempo, à revelia do ministro da Agricultura, o governador Requião anunciava o louvável intuito de transformar seu estado em área livre de transgênicos.
Em sentido contrário e isolados, os agricultores gaúchos prometiam continuar suas práticas , inclusive utilizando o glifosato (princípio ativo do herbicida Roundup) de maneira irregular e excessiva, embora à custas da saúde dos trabalhadores rurais e dos consumidores.
Quanto ao ministro da Agricultura, empenhava-se em tentar “legalizar a ilegalidade”.
Além disso, no curso dos entendimentos, o governo se comprometia a enviar logo ao Congresso um projeto de lei que trataria da política brasileira com relação ao cultivo e comercialização de transgênicos , à biossegurança e à competência da CTNBio. A mídia favorável à Monstanto exultou com esse compromisso que, diversamente, se pronunciava ameaçador para os defensores do interesse nacional.
Com efeito, a Lei de Biossegurança (sancionada em março de 2005), já durante o período de discussão do projeto se mostrava visivelmente orientada no sentido do fortalecimento dos poderes da CTNBio.
De fato, os lobbies esperavam que, com a promulgação da Lei de Biossegurança, desapareceriam quaisquer entraves à aprovação dos produtos que defendiam; para isso contavam com os votos dos seus representantes na CTNBio.
Ou seja, pretendem que o órgão atue como mero homologador das liberações solicitadas.
Mas, de repente, descobriram que não é bem assim. E, insatisfeitos, se arregimentam para uma batalha a fim de alterar o formato da CTNBio.
Para começar, desagrada-lhes que no colegiado estejam representados aqueles cuja opinião acerca dos organismos geneticamente modificados difere da deles. Já os pró-transgênicos são os únicos que lhes merecem a designação de cientistas.
Em aparente contradição, foram exatamente estes últimos que contribuíram para a falta de quórum, impeditiva à realização das sessões. E com base nesses fatos, além de “denunciar” que a CTNBio “estava parada”, passaram a justificar as ausências a seu modo: não havia razão para os auto-denominados (e com exclusividade!) cientistas, suportarem a freqüência a sessões “ideológicas”...
No caso da avaliação do milho transgênico Liberty Link, produzido pela Bayer Cropscience (e resistente ao glufosinato de amônio, princípio ativo do herbicida a ser empregado), foi necessário argumentar que o instrumento de participação da sociedade civil estava previsto na Lei de Biossegurança, para que o colegiado admitisse a audiência pública solicitada.
O representante do Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, questionava o limite da aplicação do herbicida no grão, a ser obedecido para não prejudicar a saúde humana. Cautelas como essa vêm sendo consideradas como “exigências da CTNBio”, que podem atrasar liberações...
Recentemente, a CTNBio rejeitou o pedido de liberação de uma vacina transgênica para suínos, da multinacional Schering-Plough. Inconformado, o presidente do colegiado, o médico bioquímico Walter Colli, manifestou seu desagrado. No entanto, como observou o geneticista Rubens Nodari, seu colega, a União Européia também não aprovara essa vacina além de existirem outras, convencionais. O caso é que, segundo Nodari, não havia dados científicos suficientes para sustentar uma decisão favorável.
Por tudo isso, para facilitar e “agilizar” o processo de liberação de transgênicos, os que apoiam o lobby estão intensificando a campanha visando a redução do número de membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, ou do quórum mínimo necessário para a aprovação.
Além disso se contrapõem, por considerá-la especialmente intolerável, à determinação manifestada pela subprocuradora-geral da República, Sandra Cureau, de discutir na Justiça eventuais liberações comerciais pela CTNBio, sem a realização de estudos de impacto ambiental no Brasil.
Contudo, a procuradora exige apenas o cumprimento do disposto no inciso IV do artigo 225 da Constituição de 1988, retomando a luta iniciada pelo magistrado Dr. Souza Prudente que, em 1999, acolheu o parecer do Ministério Público contrário à empresa de biotecnologia e à irregular decisão da CTNBio.
*Paula Beiguelman, Professora Associada da USP
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