Folha de São Paulo, 24 de março de 2007.
TENDÊNCIAS/DEBATES
Após dois anos de sua aprovação e sanção, é positivo o balanço da Lei de Biossegurança?
NÃO
Ciência ou cartório?
VIDAL SERRANO JUNIOR e ANDREA LAZZARINI SALAZAR
DESCONSIDERANDO os argumentos de 87 organizações, de 88 parlamentares e da ministra do Meio Ambiente, o presidente Lula aceitou mudar a Lei de Biossegurança para facilitar a liberação de transgênicos.
Antes, eram necessários 18 votos dos 27 membros da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) para autorizar o plantio em grande escala, a comercialização e o consumo de uma espécie transgênica. Agora, são necessários apenas 14.
Significa que, ainda que 13 cientistas -quase a metade do grupo- justifiquem tecnicamente a rejeição, sustentando, por exemplo, haver riscos graves à saúde, o produto será aprovado para consumo humano. Será que o Congresso Nacional e o presidente Lula sabem mesmo o que fizeram?
As notas taquigráficas das reuniões da CTNBio têm revelado a forma simplista como os trabalhos são conduzidos, e as decisões, tomadas.
Os processos que estão na iminência de aprovação impressionam pela falta de referências a estudos independentes e submetidos à "peer review". A fragilidade dos argumentos apresentados pelas empresas ficou patente em audiência pública nesta semana. Os questionamentos feitos não foram respondidos, tornando inaceitável qualquer decisão.
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) acompanha esse assunto há mais de uma década e vem questionando a existência de benefícios associados a essa tecnologia. O certo é que os transgênicos que estão na pauta de liberação só interessam às grandes empresas de biotecnologia, sem nenhum benefício para a sociedade. Mesmo para os agricultores, que hoje acreditam no marketing da indústria, os aparentes benefícios imediatos escondem os impactos óbvios da maior dependência em relação às empresas devido à compra de sementes patenteadas e de mais agrotóxicos no futuro próximo.
O Idec defende a avaliação rigorosa de riscos à saúde e ao meio ambiente.
A falta de estudos científicos independentes tem sido a tônica. Alimentos transgênicos têm sido autorizados baseados na falsa premissa de que são substancialmente equivalentes aos convencionais. Assim, a soja transgênica Roundup Ready seria o mesmo que a soja natural, o milho transgênico Liberty Link seria equivalente ao milho natural e assim por diante.
Parece, mas não é. Por exemplo, o milho Liberty Link carrega consigo um gene de resistência a antibiótico, contrariando recomendações de OMS/FAO, Comissão Européia, Royal Society, Academia Nacional de Ciências, entre outros. Usa também um gene extraído de uma bactéria que não faz parte da nossa cadeia alimentar e pertence a um gênero que causa doenças em plantas e animais.
A ausência de efetiva avaliação de risco com fundamento na equivalência substancial é uma omissão perigosa que pode causar danos irreversíveis. O Idec acredita que a nova dinâmica de liberações comerciais recém-definida transformará a CTNBio num cartório de liberação de transgênicos.
Para minimizar as pressões de um setor poderosíssimo, é necessária a construção de uma sólida política de biossegurança, sedimentada em princípios que regem o Estado democrático de Direito, como a soberania nacional, o bem-estar da população, a precaução, a transparência e o respeito a bens maiores, a saúde, o meio ambiente e a vida das presentes e futuras gerações -consagrados e protegidos pela Constituição Federal de 1988.
Em dois anos da lei, houve intensa produção da comissão em estímulo à pesquisa. Foram elaboradas normas, aprovados 155 experimentos, autorizados CQBs e relatórios. Mesmo assim, as empresas conseguiram convencer de que "nada funciona", pois seus pedidos de liberação comercial não foram autorizados ainda. Retrocedemos ao mudar o quórum.
Mas, para o governo Lula, cego pela bandeira do crescimento a qualquer custo, a biossegurança parece ser um entrave. Assim, de governo em governo, ano após ano, ficamos mais distantes da concretização da tão necessária política de biossegurança.
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VIDAL SERRANO JUNIOR, promotor de Justiça, é membro do Conselho Diretor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e ex-membro da CTNBio.
ANDREA LAZZARINI SALAZAR é advogada e consultora do Idec.
http://www.aspta.org.br/por-um-brasil-livre-de-transgenicos/artigos/ciencia-ou-cartorio-
artigo-de-vidal-serrano-junior-e-andrea-lazzarini-salazar
http://www.aspta.org.br/por-um-brasil-livre-de-transgenicos/artigos/ciencia-ou-cartorio-
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