quarta-feira, 2 de abril de 2008

Marco Antonio Raupp, presidente da Soc. Bras. para o Progresso da Ciência - SBPC faz defesa aberta aos transgênicos no Jornal Estado de São Paulo

http://www.aspta.org.br/por-um-brasil-livre-de-transgenicos/artigos/sbpc-faz-defesa-
apaixonada-dos-transgenicos-cientistas-rebatem/


O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência publicou artigo de opinião no Estado de São Paulo (10/02/2008) fazendo uma defesa aberta aos transgênicos com direito a apelo aos ministros do Conselho Nacional de Biossegurança pedindo a liberação o milho transgênico. (mais abaixo: 3)

O texto assinado pelo matemático Marco Antonio Raupp (abaixo) reproduz os argumentos das empresas de biotecnologia e afirma que a oposição aos transgênicos tem raízes obscurantistas baseadas em crenças e emoções.

Abaixo seguem duas mensagens enviadas ao Jornal da Ciência da SBPC:

1. O Prof. Dr. Fábio Dal Soglio, ex-membro da CTNBio, rebate as afirmações de Raupp, que meramente repetem "os argumento de pesquisadores brasileiros com conflito de interesses".

2. O pesquisador Milton Krieger, mestre em genética, afirma que "a fé cega depositada nos membros da Comissão, isto sim é uma crença".

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1.

Prezado Dr. Marco Antonio Raupp,

Não sei a origem das informações que o senhor repete em sua carta publicada no Estadão, embora pelos argumentos possa deduzir quais são suas fontes. O debate sobre os transgênicos, e em especial sobre o milho no Brasil, centro de diversidade dessa espécie, vai muito além das considerações apresentadas, e a todas estas temos apresentado considerações que deveriam ser de conhecimento de todos, em especial do presidente da SBPC.

Nosso discurso tem por base a ciência, e o progresso com base na sustentabilidade, e não no enriquecimento de uns poucos a partir da continuidade de uma crise social e ambiental instalada por esta visão de que basta uma tecnologia ser utilizada em outros países que será fundamental para o Brasil.

Antes de tudo temos que ter responsabilidade com o Brasil e com as futuras gerações. Veja por exemplo o que tem ocorrido com o uso desenfreado de agrotóxicos promovido pelos mesmos cientistas que está apoiando, e quanto dano isso trouxe aos nossos agricultores e ao meio ambiente. Tenho convicção de que minha participação na CTNBio sempre se baseou no conhecimento científico, no princípio da precaução (que está na nossa Lei de Biossegurança) e na necessidade de um conhecimento transdisciplinar para discutir as questões de biorrisco.

O Brasil exporta milho, e não será pela não liberação de variedades transgênicas nesse momento que teremos prejuízos. Mais prejuízos estão tendo os agricultores que plantaram a soja transgênica convencidos de sua maior produtividade e menor custos, o que não se comprovou.

Trabalhamos em prol da agricultura sustentável, e temos muitos elementos científicos que demonstram ser possível produzir o suficiente para nossa manutenção e exportação sem o uso de agrotóxicos. Nossos dados apontam para o aumento do uso de agrotóxicos nas lavouras comerciais de soja transgênica, o mesmo acontecendo na Argentina com o milho e a soja. Assim, vejo como uma posição anti-científica a assumida pelo senhor, falando em nome da ciência brasileira, quando muitos cientistas, como os reunidos na Associação Brasileira de Agroecologia, demonstram exatamente o contrário do que o senhor está afirmando. Seria mais responsável da sua parte buscar a informações de todos os ângulos do debate do que repetir os argumento de pesquisadores brasileiros com conflito de interesses (por estarem interessados nos transgênicos que podem desenvolver nos seus laboratórios do que no desenvolvimento sustentável do nosso Brasil).

Tenho formação, responsabilidade e dignidade acima de tudo, e ser chamado de obscurantista não vai mudar o fato de que a maioria dos membros da CTNBio possui interesse direto na liberação (conflito de interesses), enquanto os membros que se manifestaram contra a liberação, entre os quais eu me incluo, demonstram muito mais preocupação com o biorrisco, sem vantagens pessoais. Isto demonstra que a ciência brasileira merece um tratamento diferenciado em busca da recuperação de dignidade, livre das imposições externas dos interesses econômicos.

Só quando tivermos liberdade e capacidade de discutirmos com responsabilidade social e ambiental os nossos rumos, é que poderemos ter desenvolvimento.

Atenciosamente,

Fábio Kessler Dal Soglio
Universidade Federal do Rio Grade do Sul
Depto. Fitossanidade - Fac. Agronomia - UFRGS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural
Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia

Associação Brasileira de Agroecologia

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2.

Gostaria de comentar alguns pontos sobre a defesa apaixonada dos transgênicos feitas pela pelo Dr. Raupp na véspera da reunião do Conselho Nacional Biossegurança (CNBio) que decide sobre a liberação comercial de duas variedades de milho transgênico.

Apesar das infinitas potencialidades da técnica de transgenia, apenas dois tipos de plantas transgênicas estão sendo liberadas e/ou obtidas, são as plantas tolerantes a herbicidas e plantas Bt, que já trazem em seu genoma um inseticida inserido.

Estes são os dois caso que devem ser liberados hoje pela CNBio, o milho Bt da Monsanto e o milho Liberty Link da Bayer tolerante ao herbicida Liberty, também da Bayer.

No processo do milho LL só havia uma análise estatistica, era de equivalência substancial, análise esta que não é considerada como cientificamente sólida para se determinar se um alimento é seguro ou não, basta lembrar que a vaca européia ficou louca devido a equivalência substancial da ração animal.

Ao contrário do que diz o Dr. Raupp, o uso de plantas transgênicas não significa menor uso de agrotóxicos, no caso das plantas tolerantes a herbicida, temos o caso da soja RR (Roundup Ready), onde a Anvisa teve que aumentar em 50 vezes o teor máximo de resíduo permitido de glifosato no grão de soja.

A soja convencional jamais atinge os mesmos níveis de resíduos no grão pela simples razão que ela morre antes, este é o problema das plantas tolerantes a herbicidas.

Já no caso das plantas Bt, pode até haver menor aplicação de inseticidas, o que não significa menos veneno no campo, pois elas já vêm com um inseticida inserido em seu genoma, inseticida este que atua durante todo o ciclo da planta, matando tanto pragas como insetos úteis independentemente do nível de dano, o que do ponto de vista do manejo integrado de pragas é um tremendo retrocesso.

Pelo exposto acima, devo dizer que a comparação feita pelo Dr. Raupp com relação as plantas Bt e aos inseticidas a base de Bacillus Thurigiensis usados na agricultura orgânica é absurda, uma vez que neste caso o produto é aplicado apenas durante um período da cultura e somente quando necessário. Já as plantas Bt começam a combater a lagarta do cartucho (espiga) desde a germinação da semente, ou seja, dois meses antes da planta começar a formar a espiga no caso das variedades mais precoces ou três meses no caso das mais tardias.

Os dados sobre economia de combustível são de difícil constatação e têm sido ultimamente contestados, no caso das plantas tolerantes a herbicidas, onde já há muitos casos de resistência ao herbicida, sendo que mais aplicações são feitas e já se estão usando também aplicações de outros herbicidas, no caso das plantas Bt é ainda necessário a aplicação de outros inseticidas para pragas não combatidas pelo Bt.

Já em relação as vantagens econômicas das plantas transgênicas, devo dizer que a rotulagem obrigatória dos alimentos transgênicos simplesmente não é respeitada no Brasil, é portanto desonesto se atribuir qualquer vantagem econômica para um produto não rotulado.

Devo ainda salientar o forte espírito maniqueísta do texto do Dr. Raupp, onde os críticos à liberação imediata e sem maiores cuidados dos transgênicos são taxados de obscurantistas, pessoas sem argumento, apenas com crenças e etc, sendo nossa posição taxada como apenas (sic) ideológica.

Ideologia é como sotaque, é sempre o outro é que tem, duvido que o Dr. Raupp e os membros majoritários da CTNBio sejam todos robôs insensíveis.

E pior, taxar o outro lado de ideológico é na verdade um artifício para não se ter que responder as críticas com argumentos. Por fim, estranho a fé cega depositada nos membros da Comissão, isto sim é uma crença, devo dizer, que titulação acadêmica e reconhecimento não são atestados de idoneidade e nem de inteligência.

Sobre isto dei um bom exemplo em um texto anterior publicado também no “JC e-mail” número 3224, de 16 de março de 2007, cujo título era “Democracia, transparência e o tomate transgênico do Dr. Watson”. Nesta época Watson ainda não tinha dado suas declarações racistas e por isso pequei leve com ele.

Milton Krieger

agrônomo, mestre em genética na Esalq/USP e doutorando em agricultura na FCA/Unesp

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O ESTADO DE SÃO PAULO
Domingo, 10 fevereiro de 2008

http://txt.estado.com.br/editorias/2008/02/10/opi-1.93.29.20080210.2.1.xml

Uma decisão de grande responsabilidade

Marco Antonio Raupp, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC

Na terça-feira próxima, sob a presidência da ministra Dilma Rousseff, reúne-se o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), para apreciar recursos da Anvisa e do Ibama contra decisões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). É importante que se reafirme para a sociedade civil a qualidade científica e tecnológica dos membros da CTNBio. São nomes da mais alta relevância, reconhecidos nacional e internacionalmente pela excelência da pesquisa que desenvolvem, muitos deles propostos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Esses cientistas se dedicam a avaliar as solicitações encaminhadas às quatro áreas de atuação da comissão: ambiental, vegetal e saúde humana e animal.

Trata-se de trabalho constante e dedicado, que muitas vezes acaba sendo questionado não pelo mérito da decisão, mas pela falta de informação ou por razões ideológicas. Recentemente, o ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, fez um balanço muito positivo dos trabalhos da CTNBio no último biênio. Esse trabalho, no entanto, vem sendo sistematicamente contestado por organizações não-governamentais (ONGs), principalmente quanto às liberações comerciais, e o próprio ministro destacou que o governo acompanha os numerosos recursos judiciais interpostos contra algumas decisões da CTNBio. A mais recente envolve o milho, contestado pelas ONGs e agora por setores do governo ligados aos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.

O milho é uma das mais importantes fontes de alimento no mundo. Na cadeia produtiva de suínos e aves se consomem de 70% a 80% do milho brasileiro. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial, com produção de aproximadamente 35 milhões de toneladas (em 2005), atrás somente dos EUA (282 milhões de toneladas) e da China (139 milhões). No País é plantado em duas safras e cultivado em quase todo o território nacional - 92% da produção se concentra nas Regiões Sul (47%), Sudeste (21%) e Centro-Oeste (24%).

Nos últimos anos, os insetos da ordem Lepidoptera (lagartas) se têm tornado pragas limitantes na cultura do milho no País, com danos de até 34% na produção desse grão. Com o aumento da área cultivada na chamada safrinha (3 milhões de hectares) o problema se agravou. Em algumas áreas são necessárias dezenas de pulverizações com inseticidas num único ciclo da cultura. O Brasil é o terceiro maior consumidor de defensivos agrícolas do mundo. Temos, hoje, 142 agrotóxicos registrados para milho, 107 só para lagartas. Já existem vários casos de resistência pelo uso constante e indiscriminado de inseticidas na cultura do milho no País. Além disso, um dos fatores que mais afetam a saúde dos agricultores no Brasil é o uso de defensivos agrícolas, altamente agressivos, responsáveis pela intoxicação de 1 milhão de pessoas anualmente, além do lixo tóxico resultante do descarte das embalagens.

Um dos produtos aprovados pela CTNBio é o milho modificado para resistir ao ataque das lagartas. Esse milho transgênico, cultivado e comercializado na União Européia e em mais 13 países - Argentina (desde 1998), Austrália, Canadá, China, Japão, Coréia do Sul, Filipinas, México, África do Sul, Suíça, Taiwan, Uruguai e EUA (neste último, desde 1995) -, expressa uma proteína responsável, especificamente, pela morte das lagartas, sem efeito tóxico para outros insetos, como abelhas, besouros ou joaninhas. Essa proteína é idêntica à encontrada em bactérias do solo que são pulverizadas nas culturas há mais de 40 anos, técnica amplamente utilizada pelos agricultores orgânicos. Outro processo em discussão é o do milho que ganhou um gene que o torna resistente a herbicida produzido por uma bactéria de solo, permitindo a eliminação de plantas daninhas com menor agressão ao solo no processo de aragem, além de outras vantagens. É importante ressaltar que nenhuma dessas variedades causou dano algum ao meio ambiente, aos animais ou aos seres humanos. No Brasil, exaustivos experimentos controlados no campo provaram sua inocuidade para o ambiente.

Somando os aumentos na renda de todos os agricultores que adotaram um dos seis principais cultivos transgênicos, o ganho mundial em dez anos foi de US$ 26,85 bilhões. O total de ganho em cada país variou de acordo com o número de cultivos e com a taxa de adoção da nova tecnologia. Os EUA foram o país que obteve maior ganho, quase US$ 13 bilhões em dez anos, e a Argentina, US$ 5,5 bilhões. A nossa participação no ganho mundial foi de apenas 5% e se deve ao fato de o País produzir, em grande escala, apenas soja tolerante a herbicidas.

Em ganhos ambientais se prevê que, em dez anos, a adoção do plantio de soja transgênica economizará 42,7 bilhões de litros de água, 300 milhões de litros de óleo diesel, com redução de emissões para a atmosfera de aproximadamente 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono, o equivalente a plantar 6,8 milhões de árvores. Para algodão e soja se estima uma redução de uso de mais de 77 mil toneladas de agrotóxicos. A nossa indústria é a mais prejudicada com o ingresso de sementes piratas, em razão da demora na adoção de sementes transgênicas.

Apelamos ao CNBS que não dê provimento aos recursos interpostos, reconhecendo que existe uma lei aprovada pelo Congresso Nacional (Lei 11.105/05) que atribui somente à CTNBio a responsabilidade de deliberação sobre organismos transgênicos e seus derivados. Anvisa e Ibama são órgãos de fiscalização, e não elaboradores de políticas de Estado.

Parte da cultura contra os transgênicos tem raízes obscurantistas e está causando muitos danos à ciência e à economia brasileiras, bem como ao meio ambiente, pelo uso indiscriminado de defensivos agrícolas. A sociedade tem de se posicionar de forma esclarecida, sem emoções, levando em consideração a qualidade técnico-científica do parecer e a credibilidade desses brasileiros que se dispõem a trabalhar para manter a rigidez de critérios na emissão de laudos fundamentados em ciência, não em crenças.

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