Mais uma vez, o uso de produtos não autorizados e com riscos à saúde humana ocorre sem conhecimento da população.
Já é antiga a polêmica em torno da segurança do hormônio transgênico de crescimento bovino (rbBGH ou rbST, nas siglas mais usadas em inglês), injetado em vacas para aumentar a produção de leite.
O produto foi desenvolvido pela Monsanto e é proibido na maioria dos países, mas livremente utilizado nos EUA e no Brasil, sem que o leite e os derivados informem isto nos rótulos. Em agosto de 2008 a Elanco, uma divisão da empresa farmacêutica Eli Lilly, comprou da Monsanto a marca (nos EUA o hormônio é vendido sob o nome Posilac) e os direitos sobre o produto.
Após adquirir os direitos sobre o hormônio, a Elanco tem se esforçado para convencer os processadores de leite e a indústria alimentícia em geral que o leite proveniente de vacas tratadas com o rbBGH é seguro. E teve papel central nesta campanha um documento encomendado pela empresa de relações públicas Porter-Novelli e assinado por oito proeminentes especialistas e acadêmicos da medicina e da zootecnia.
O relatório é baseado no famoso “argumento da autoridade”, ou seja, faz inúmeras afirmativas sobre a segurança do produto, mas sem apresentar provas consistentes para embasá-las. O documento foi lançado em julho de 2009 e desde então a Elanco o distribuiu amplamente.
Um dos “pontos altos” do relatório é quando ele afirma que “a segurança do consumo humano [do rbBGH] é endossada por mais de 20 organizações importantes de saúde dos EUA -- incluindo o National Institutes of Health (Institutos Nacionais de Saúde), a American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria), a American Cancer Society (Sociedade Americana de Câncer), a American Medical Association (Associação Médica Americana) -- e internacionalmente -- incluindo a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a FAO (órgão das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura)”.
Recentemente um grupo de organizações da sociedade civil (1) divulgou um completo documento rebatendo as afirmações apresentadas pelos cientistas no relatório da Elanco -- sempre apresentando inúmeras referências para as contestações apresentadas.
Entre os principais problemas apontados, estão que: (1) muitas afirmações sobre a saúde humana e animal são simplesmente incorretas; (2) outras afirmações, embora não estejam tecnicamente incorretas, distorcem os fatos; (3) o relatório omite numerosos estudos científicos relevantes e documentos que contradizem as conclusões dos autores; e (4) citações listadas nas referências algumas vezes não confirmam argumentos apresentados no texto.
Mas a informação mais chocante no documento de contestação é a que desmente o apoio supostamente dado ao rbGH pelas organizações de saúde. São apresentadas informações que contradizem, caso por caso, a afirmação de que as organizações teriam endossado a segurança do hormônio transgênico.
A American Medical Association (AMA), por exemplo, não só não tem posição oficial sobre o rbGH e não defende sua segurança, como também uma nota publicada no boletim da organização em abril de 2008 citava seu então presidente, Ron Davis, dizendo que “Hospitais deveriam (...) usar leite produzido sem hormônio transgênico de crescimento bovino”.
A ONG Bioscience Resource Project contatou vários dos autores do estudo da Elanco para esclarecer o caso. Alguns se recusaram a falar ou negaram qualquer problema no estudo. Um deles (David Clemmons, da Universidade de Carolina do Norte), entretanto, admitiu que a afirmação de que a Associação Médica Americana, a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Americana de Câncer teriam atestado a segurança do hormônio “tecnicamente não era verdadeira”. Segundo sua explicação, a ideia do estudo era mostrar que os argumentos das organizações médicas falhavam ao se oporem ao rbGH.
Segundo Rick North, da organização Oregon PSR (Médicos para a Responsabilidade Social, na sigla em inglês), “As numerosas afirmações falsas e distorções com relação às organizações que teriam afirmado a segurança do rBGH são apenas a ponta do iceberg. O relatório da Elanco é inteiramente permeado de informações enganosas e imprecisas, distorcendo a própria alegação sobre a segurança do produto”.
Trata-se, na verdade, de mais um exemplo de que a defesa da segurança deste e de vários outros produtos, como os agrotóxicos e o transgênicos em geral, tem sido feita com base em mentiras, estudos sem consistência e deturpação de dados. E órgãos governamentais como a CTNBio simplesmente carimbam, assinam em baixo, e tentam a qualquer custo nos fazer acreditar que não há riscos.
Um dado curioso a ser observado neste caso da Elanco é que um dos autores do famigerado relatório é brasileiro, professor de zootecnia da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), em Piracicaba. Seu nome é Dante Pazzanese Lana.
Vejam só as informações que o relatório da Elanco traz sobre ele:
“O Dr. Lana foi remunerado pelo seu envolvimento neste relatório sobre rbST, mas não possui ações da empresa Eli Lilly and Company. Ele declara receber financiamentos da Provimi, Elanco, Church and Dwight, Purina, Cargill, Louis Dreyfus, Phibro and FortDodge e de receber honorários por realizar conferências para Phibro, Tortuga, Provimi, Pfizer, Purina e Marca; nenhum destes financiamentos ou honorários são diretamente relacionados a pesquisa com rbST. Não foi relatado nenhum outro potencial conflito de interesse relevante para este artigo.”
Tudo isto foi dito com o intuito de garantir a isenção e a independência do autor em relação ao tema.
Aliás, o professor tem um currículo digno de representante da CTNBio! Quem aposta que em pouco tempo ele seja convidado a compor o colegiado?
(1) Cancer Prevention Coalition, Consumers Union, Oregon PSR e Institute for Agriculture and Trade Policy.
Fontes: